Foto Jesus Carlos
(Revista Caros Amigos)
O lugar social da mulher negra é uma das
temáticas abordadas nesse documentário o do cineasta mineiro Joel Zito Araújo
sobre o mundo do turismo sexual no Brasil
Fonte: O Povo Online
Menina de 13 anos levada pela mãe ao
Instituto José Frota, em Fortaleza, após ser agredida por um
cliente/explorador: a garota faz da BR-116 o ponto da própria exploração, na
venda do corpo imaturo. Em Natal, uma jovem passeia de mãos dadas com um
estrangeiro, enquanto conta para a câmera que, em breve, viajará para fora do
País, mas com outro pretendente a marido. Em Berlim, ao som de Fascinação,
bailarina “mulata” samba na ponta do pé, maiô fio-dental, para plateia de
nativos germânicos. Todas são negras. O retrato é similar em boa parte das
capitais do Nordeste ou com alguma ligação com a região. De tão comuns e
banalizadas, chegam a ser vistas como passividade e até permissividade.
O documentário Cinderelas, Lobos e um
Príncipe Encantado, do cineasta mineiro Joel Zito Araújo, vem para lembrar que
é com olhos de estranhamento que essas imagens precisam ser observadas. Isso
sem julgamento. A alusão aos contos de fada não poderia ser mais apropriada. O
longa nos dá uma significativa amostra dessa rede de sonhos, ilusões, exploração
e terror, com alguns espasmos de final feliz, do turismo sexual brasileiro. Em
Fortaleza, Natal, Recife e Salvador, Joel Zito entrevistou boa parte dos
envolvidos na teia da prostituição: mulheres, homens e travestis que trabalham
como garotos e garotas de programa, mas também taxistas e, principalmente,
estrangeiros. Em Berlim e em Roma, o diretor também encontrou dançarinas de
vários estados do Norte e Nordeste, empresários que costumam visitar o Brasil e
casais formados por alemães e brasileiras.
Apesar de não ser o foco do documentário,
a questão racial está no cerne da discussão. "Encontrei um dado que ajudou
a guiar o documentário: 75% do objeto de desejo do turista estrangeiro são
afrodescendentes. Obviamente, isso vem embutido, sobretudo do ponto de vista
delas", conta o documentarista, em entrevista ao O POVO, por telefone. Se
os estrangeiros dizem que as negras são mais simpáticas e ao mesmo tempo
"quentes" ou soltas sexualmente, essas mulheres confirmam o
estereótipo. "Isso é um dos poucos pontos que eleva a autoestima delas.
Quanto mais negróides, mais elas serão vistas como feias e não desejáveis no
Brasil". No olhar do estrangeiro, elas percebem que existe uma valorização
de suas estéticas. Isso é visto com segurança por essas mulheres. Ao mesmo
tempo, dizem não querer casar com um homem de sua cor de pele. "Para
limpar o sangue", chega a afirmar uma das entrevistadas. A dúvida que fica
é se essa lascividade não estaria mais perto de uma permissividade. Se, pela
autoestima baixa, elas não permitiriam qualquer tipo de situação, mesmo que
agressiva ou contra suas vontades.
No documentário, Joel Zito mostra relações
que têm no centro a questão financeira e a carência afetiva. A lógica é
completamente fora do amor romântico. Muitas delas dizem que não importa com
quem possam casar. "Quanto mais o homem paga a gente, mais a gente se
apaixona", conta num depoimento hilário, uma travesti entrevistada no
documentário.
Como entrevistador, Joel Zito se destaca.
É direto e incisivo, sem ser desrespeitoso. Tem sensibilidade e questiona no
momento certo. "Algumas vezes, elas se entregaram demais, revelaram fatos
muito íntimos e eu, por respeito, decidi não colocar. Já com os estrangeiros,
expus realmente suas contradições", compara. Um desses homens, um italiano,
condena a política de turismo sexual, embora confesse que seja um de seus
usuários minutos depois.
O diretor optou por investir num tom nem
sempre pesado. Os momentos mais leves estão na parte final, quando o diretor
entrevista brasileiras casadas com alemães e apresenta os choques culturais da
relação, inclusive de maneira divertida. "São poucas as histórias
bem-sucedidas, mas elas existem. Uma jornalista me perguntou o porquê de o
filme acabar com uma história feliz, de casamento. Ora, por que as nossas
amigas de classe média podem se casar com estrangeiros e serem felizes e as
meninas pobres não?".
Matéria original: “Notas sobreturismo sexual”, publicada em no site do Geledés – Instituto da
Mulher Negra.
Assista ao trailer do filme
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