Flavia Rios* (especialmente para o blog)
“Daria um filme, uma negra e uma criança nos braços,
solitária na floresta de concreto e aço”.
(Racionais
Mc`s, em trilha do filme Carolina)
Carolina
Maria de Jesus teria uma vida típica de milhares de brasileiros que migraram
para os grandes centros urbanos no sudeste brasileiro, à procura de melhores
condições de vida, se não fosse seu estrondoso sucesso como escritora.
Trabalhadora da roça em sua terra natal, a cidade de Sacramento em Minas
Gerais, Carolina decidiu migrar para São Paulo, num período em que esta cidade
despontava como a grande promessa de modernidade e de melhores oportunidades de
trabalho. Na capital paulista, morou numa das primeiras favelas do município, o
Canindé, localizada na zona norte. Em São Paulo, Carolina foi empregada
doméstica e nos anos 50 já vivia de catar papel, ferros e estopa no lixo.
Entretanto, no ano de 1960, ela teve um vertiginoso sucesso com a publicação de
Quarto de despejo. Fato que a projetou rapidamente na imprensa paulista,
brasileira e mundial.
No
início de 1958, solteira e mãe de três filhos pequenos, Carolina conheceu o
jornalista Audálio Dantas, quando este fazia uma reportagem sobre a favela do
Canindé para o jornal Folha da Noite, na oportunidade ela lhe mostrou seus cadernos.
Carolina possuía diversos contos e poesias, porém, o que chamou a imediata
atenção de Dantas foram as páginas do que parecia ser um diário, em que ela
descrevia seu cotidiano na favela, tipo de moradia popular ainda desconhecida
pela maioria dos paulistanos que estavam mais habituados a conviver com os
cortiços. Foi assim que Quarto de Despejo,
metáfora Caroliniana para favela, abriu sua primeira página:
15
de junho de 1955 Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu
Pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros
alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos
escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei
para ela calçar.
Com
escritos impactantes como esses, Carolina de Jesus estreou no mundo das letras.
A partir daí a escrita literária, uma atividade de mais de 15 anos de sua vida,
transportou-a para a esfera pública brasileira e internacional. Quarto de
despejo vendeu mais de 70 mil exemplares nas suas primeiras edições. Num
período de cinco anos, o livro foi traduzido para 14 idiomas e alcançou mais de
40 países, tais como Japão, Dinamarca, Suécia, França, Estados Unidos, Rússia
dentre outros. Mas, apesar disso, a escritora morreu pobre, como uma ilustre
desconhecida, em 1977, no bairro de Parelheiros em São Paulo.
Contudo,
o discurso direto e penetrante de Quarto
de Despejo atravessou décadas, e continua a sensibilizar novas gerações. Fragmentos de Quarto de Despejo são inspiração para outras linguagens, como o Cinema
e o Teatro. É assim que uma nova safra de intelectuais e artistas como o
diretor Jefferson De, em seu filme
Carolina (2003), consegue captar
o espírito do Diário, deixando emergir não apenas a crítica social flagrante
nos escritos da autora, mas também toda a sensibilidade e emoção pulsantes nas
páginas da vida e obra de Carolina Maria de Jesus.
Bibliografia
de Carolina:
Jesus,
C. M. de. (1960). Quarto de despejo: diário de uma favelada. São
Paulo: Livraria Francisco Alves (Editora Paulo de Azevedo Ltda).
_________.
(1961). Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada. São Paulo:
Livraria Francisco Alves (Editora Paulo de Azevedo Ltda).
_________.
(1963). Pedaços da fome. São Paulo: Editora Áquila Ltda.
_________.
(s/data). Provérbios. São Paulo: s/editora.
_________.
de. (1986). Diário de Bitita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Para
saber mais sobre Carolina:
CASTRO, Eliana; MACHADO,
Marília (2007). Muito Bem, Carolina! Editora
C/ Arte. Minas Gerais.
MEIHY, J. C. S. B &
Levine, R. M. (1994). Cinderela Negra: a saga de Carolina Maria de
Jesus. Rio de Janeiro: UFRJ.
SANTOS, Joel Rufino dos (2009).
Carolina Maria de Jesus: uma escritora improvável. Garamond-Rio de Janeiro.
* Flavia Rios é doutoranda em
Sociologia na Universidade de São Paulo, co-autora do livro "Lélia
Gonzalez – Retratos do Brasil Negro", e integra com Edilza Sotero(USP) e
Jackeline Romio (UNICAMP) um grupo de pesquisa sobre a trajetória e
fortuna crítica de Carolina Maria de Jesus.
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